À espera da poesia


Papel vazio.
Eis o mistério!
Eis a questão!
A ânsia anterior à escrita.
Meu olhar, meus dedos são de pura expectativa.
Como a criança que fui e ainda sou -
sentada no meio-fio,
da rua de calçamento
precário,
gritando o retorno da mãe,
 que cedo não viria – assim estou
à espera da poesia.

Olhar epifânico





Meu Deus,
que eu não perca
o olhar íntimo
das coisas triviais

Que eu saiba calar
quando se fizer necessário
emudecer o grito

Que minha pele
suporte as marcas
visíveis do tempo,
presa ao som do vento

Que eu possa
olhar o horizonte
e descobrir a Ti,
lá longe,
onde me encontro só,
onde um dia serei pó

Que o peso da minha dor
suporte carregar
o meu corpo convalescido
em misericórdia epifânica

Que eu saiba viver
e respirar no outro
um pouco de Você!


Fim antes do fim


Sentado em sua cadeira
a meditar sobre a vacuidade da
existência,
sobre a inexorabilidade
do tempo,
do vento,
e a ausência
de chuva,
de sentido,
de riso
ele persiste,
alheio,
triste,
inerte,
como um rei não esclarecido,
que espera a notícia
da vitória na batalha
e mal sabe da carnificina
a se aproximar,
dos abutres,
dos odores,
do verme,
da Morte personificada,
que friamente constata,
não escondendo a alegria,
ao exteriorizar os dentes lívidos,
com a foice empunhada:
“Antes do fim, eu venci”. 

O poema que eu não sei


O poema que eu não sei
Nasce sem saber
Rima na esquina
Chama e desatina
Vem do apagão a me lumiar
Some no clarão para eu chamar

O poema que eu não sei
Beira a exaustão
Chega de mansinho
Sem saber que é ninho
Ousar não falar
Diz sem perceber
Fala sem querer

O poema que eu não sei
Flui igual melaço
Surge de carinhos
Feito de pedaços
Canta o amor
em um só compasso

O poema que eu não sei
Cheira a você.