Ela
tinha todos os motivos do mundo para estar na fossa e de se sentir
despudoramente brega. O tempo estava nublado e a precipitação se antevia pelas
janelas da sala. Fazia frio de bater os queixos. Ela estava desempregada havia
alguns dias. O seu cabelo se revoltou contra qualquer tipo de penteado, naquela
manhã. Da mesma forma, a cólica se fez sentir, fazendo-a despertar mais cedo do
que o despertador do celular, com aquela musiquinha irritante de todos os dias.
Na mesa, dezenas de contas para pagar. E, além de tudo isso, no final daquela
manhã - depois de ter deixado a torrada cair com o lado da manteiga para baixo,
no café da manhã, e de ter queimado o arroz, no almoço - recebeu a notícia do
rompimento do noivado de cinco anos. Pelo WathsApp.
-
Covarde! – ela pensou em responder assim, com algumas exclamações a mais, mas
somente berrou tal palavra ao lançar o celular contra a parede. Por um instante
ela pensou em se matar e acabar logo com aquele inferno astral que a perseguia
naquele dia, mas logo refutou tal possibilidade extrema. Talvez por medo ou por
inconscientemente acreditar que aquilo não passava de uma fase; que a morte não
solucionaria nada e seria comparável ao ato de covardia do seu ex-noivo.
Outra
ideia era bancar o clichê da mulher ferida e ir para a casa ou para o trabalho
do seu ex e fazer aquele escândalo, típico de novela das nove. Ela gritaria,
daria uns tapas nele, jogaria pratos e copos no chão, caso estivesse em sua
casa, ou rasgaria papéis e quebraria computadores caso o encontrasse em seu
escritório. No meio do quebra-quebra ela soltaria um “Quem é ela?” ou “Qual o
nome da vadia?” ou ainda “Como pôde terminar comigo pelo WathsApp!?” Mais que
vingança, que desabafo desesperado, depois do abandono, aquilo tudo seria um
ato libertador. Ao fazer aquele espetáculo do ridículo ela estaria proclamando
liberdade. Porém, ela também recusou tal possibilidade. Bancar a louca
rejeitada não era uma máscara que ela certamente usaria. Talvez por vergonha ou
por orgulho.
Nem
o suicídio, nem o urro felino. O que lhe sobrou foi o clichê da rejeitada
resignada. Deitada no sofá, comendo brigadeiro aos montes, ela escolheu o
existencialismo tropical. Escolheu ser brega. Exalar melancolia pelos poros. Ouvir
“Como vai você?”, na voz de Antônio Marcos, muito ajudava na sua atuação digna
de Oscar. Ela estava na fossa. Ela podia chorar, sem comedimentos. O soluço,
nesse caso depois do choro aos borbotões, também era bem-vindo. Ela podia usar
a colher de pau como microfone, na hora do refrão, não se importando com o
encontro das lágrimas com as marcas de chocolate em suas bochechas. Tudo
confabulava para que aquele entardecer fosse realmente deprimente. Ela se
sentia a própria depressão encarnada.
Ela
conseguiu comer todo o brigadeiro e cantar a mesma música dezenas de vezes. Até
que veio a noite e com ela, o sono, e com ele, o sonho, e nele um sol nascia.
Ela estava deitada no peito do ex, que era seu marido, após a noite de núpcias.
Ébria de felicidade, de segurança, de saciedade e de uma forma diferente de
breguice.
“Como
vai você?” soava e ressoava enjoada entre o sol do sonho e a noite fria e
chuvosa da realidade. A colher de pau caiu de uma de suas mãos.
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