Fones de ouvido



Eu quero gritar
Eu quero gritar o meu amor
Eu quero gritar o meu amor por você
Mas você não quer ouvir
Você, com seus fones de ouvido,
Indiferente ao meu desejo avassalador
De gritar o meu amor no meio da rua,
Segue indiferente
Não olha para o lado, onde estou
E baixinho repete refrãos inaudíveis
De alguma canção
Que eu julgo ser de amor
  Aquele amor que quis gritar
E que você não quis ouvir.





Ausência




Falta-me inspiração quando me falta chão.
Mas na falta de um ímpeto inspirador,
 penso em você, a angústia nauseante e moribunda da dor.

A dor não sentida, mas viva,
A dor que me tom'alma,
A dor ferida e chagada de ânsia.

Falta-me um alicerce,
Uma escora,
Um ancoradouro.

Falta-me uma e mais uma inspiração.
Essa inspiração só minha e, enquanto minha, dona de mim.
E não sendo sua, indiferente a você.

Ah!...as palavras embriagam-me ao vento,
Sinto-me torpe, nebulosa por dentro.

As palavras são inspirações inatas,
retiradas do pensamento vagante, sorrateiro.
Elas entorpecem minha sobriedade, 
enlouquem minha sanidade.

Ah!...palavras, retiradas das sensações sentidas, 
vividas na solidez da alma,
 negligenciada na estupidez da raça.

Aquela inspiração anterior da qual sentia falta,
Sacio agora com minhas
Palavras!

E eu esqueço



Palavras ocas.
A chuva cai.
A carta não
chegou ao endereço.
Alguma coisa apodrece
quando se esquece.
E eu esqueço.
A vida segue seu curso.
O rio também.
O atleta não
acertou o arremesso.
Alguma coisa apodrece
quando se esquece.
E eu esqueço.
Diamante adormecido
no coração do homem.
Cada um tem o seu preço.
Alguma coisa apodrece
quando se esquece.
E eu esqueço.
A chuva se intensifica.
A luz não veio.
Na capela, a beata reza o terço.
Alguma coisa apodrece
quando se esquece.
E eu esqueço.
Tudo é dor.
Tudo é amor.
Indiferente a tudo,
o bebê dorme no berço.
Alguma coisa apodrece
quando se esquece.
E eu esqueço.
O poema será esquecido.
O poeta também.
Mas o fim pode ser
O recomeço.
Alguma coisa apodrece
quando se esquece
E eu esqueço.

Senhor...




Que não cesse em mim o olhar íntimo das coisas triviais.

Que eu saiba calar quando se fizer necessário socar o grito.

Que minha pele suporte as marcas do calor do tempo, presa ao som do vento.

Que eu possa olhar o horizonte e descobrir a Ti,

Lá longe, onde me encontro só,

Onde um dia serei pó.

Que o peso da minha dor suporte carregar meu corpo,

Convalescido em misericórdia epifânica.

Que eu saiba sentir e respirar no outro um pouco de Ti...

Senhor...

O tocador da lira


As mãos suaves dedilham uma triste canção,
que toca o coração
do barqueiro,
do monstro mítico,
e do deus,
que chora lágrimas de ferro.

Alguém se compadece
com o som da lira,
na terra onde tudo é sombra
e esquecimento.

Na terra dos vivos,
sem o amor de sua vida,
a melodia acaba,
a amargura sufoca o canto,
do mais belo dos poetas.
A morte torna-se a melhor estrada.

E, mesmo estando em pedaços,
com a cabeça flutuando nas águas claras,
de sua boca ardente de amor,
o tocador da lira canta o nome da amada,
até que o rio a sufoque para sempre.

Para sempre.
Para sempre.

Da montanha sagrada,
ao raiar do dia,
rouxinóis azuis entoam sublimes canções.

Eu descobri



Descobri que é difícil viver sem você,
Que a distância se torna presença em meu coração.

Descobri que sinto a sua falta
Cá dentro do meu peito,
Que cada palavra escrita se torna melhor sentida.

Descobri que é difícil viver da sua presente falta,
Do seu aparente desaparecer
 Aparecido do nada,
Da sua complacência em ouvir,
Do seu jeito ao sorrir.

Descobri que não basta conhecer o outro 
para saber que ele existe,
Que só existir não basta.
Descobri que é necessário
SENTIR



Imagens do filme “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” dirigido por Jean Pierre Jeunet

De vez em quando



De vez em quando
eu vejo graça,
eu vejo luz.
E esta manifestação repentina
deixa-me feliz, absorto, teologado.
Sinto-me conectado com tudo o que é dom.
Os mistérios se me revelam espontaneamente.
Eu gozo com a horizontalidade que percebo
e com a Beleza que emerge,
silenciando a feiura vigente.
A Beleza se me apresenta
como Amada, Amiga e Esposa.
Passeamos de mãos dadas,
por caóticas avenidas,
como se fossem jardins floridos.

Faces


Tenho mil faces contidas em mim...

Faces obscenas,

iluminadas,

descabidas,

deslocadas,

Tenho mil faces contidas em mim...

Faces desavergonhadas,

debruçadas,

descoladas,

desconectadas,

Tenho mil faces contidas em mim...

Faces mil

Faces de facetas mil

Faces de arroio no cio

Faces...

Apenas mil

Oh, como desvendar o não desvendado?

Como saber o não sabido?

Como escutar o não audível?

Como revelar o não revelável?

São faces e mais faces que nada revelam em si,

Apenas revelam as faces das quais procuro em ti.

DIA D


Chega a hora na qual temos que nos despir, na qual temos que revelar a verdade nua, fria, crua também. Para muitos pode ser um momento epifânico, no qual algo de maravilhoso acontece, como uma revolução copernicana que coloca no centro da existência o sol que se insistiu em ocultar. Mas para outros a coisa nem é tão fenomenal, pois o que se vê é um plutãozinho insignificante, rebaixado, frio, cinza e distante. É a dolorosa dinâmica da revelação. Existe uma luz profunda, existe uma escuridão profunda que vestes superficiais não conseguem conter por muito tempo. Num dia qualquer, numa hora qualquer, quando menos se espera, a máscara cai, o véu se rasga e o que estava contido num frágil vaso de barro é exposto à luz do Dia. Este é o Dia do verdadeiro encontro, da dor imensurável e também da redenção. E você? Tem medo ou anseia por este dia?

Alucinação


Estou alucinada por você

Meu pedaço de toucinho

Meu bocado de mau caminho

Meu odor feminino

Meu opúsculo equino

Meu quarto minguante

Meu elo extravagante

Meu nobre cavalheiro


Estou alucinada por você

Minha figura de linguagem

Minha sonolência adormecida

Minha arma mortífera

Minha febre sadia

Minha moléstia doentia

Minha alma inebriante

Minha exaltação estonteante


Estou alucinada por ti

Estou alucinada por

Estou alucinada

Estou