Armadilha


Sou caco de vidro

De um mosaico não construído

E seria flor

E seria lírio

Como aquele que encantou

Os olhos do Profeta

Os olhos do Poeta dos Poetas

Num maravilhoso entardecer.


Sou parte de um todo que não há...


Seria beleza

Alvo de contemplação

Mas não passo de armadilha

Mas não passo de ferida

A passantes desavisados

Que olham o céu

Não o chão.

Amor mórbido


Daria tudo para te ver agora

Daria o meu ovário para fecundação

se em troca soubesse que irias renascer em mim


Daria tudo para te ver agora

e falar ao seu ouvido o que queres ouvir

Daria minha alma,

meu desejo,

minha força,

minha angústia,

minha dor

Nem que para isso sucumbisse em vida


Eu te daria a minha carne viva e viveríamos de momentos sem vida

Da morte de um no outro e do outro em um

Dessa celebração eterna

Dessa morbidez carnal

Desse amor fatal

Esperança



Dois poemas tristes

em uma manhã nublada.

Nem tudo está perdido...

Lua



A lua, tão propícia aos enamorados, mas não a mim!

Lua da minha origem, divindade nua.

Sois o que sou, fina flor de candura.

Sede o luar da aurora boreal.

Sede o vaga-lume do escudeiro fatal.

Sede a expressão do amor.


A lua dos meus prazeres é abrasadora.

Não machuca ninguém, nem faz sentir dor.

Ela ouve o dizível e fala o não dito.

Nota o gemido e também a risada.

Escuta a palavra não anunciada.


A lua, pequeno condor a cintilar no céu, porém não no meu.

Lua da minha broa, embarcação sua.

És o que fui, a origem pura da luz.

Sede una em muitas.

Sede brilho e escuridão.

Sede a auréola angelical do anoitecer.

Sede o aperto no peito de um sofredor.


Não apenas resplandece.

Ilumina o mar bravio.

Deixa rastos na areia.

Forma réstias na lareira apagada.


A lua, acalanto do ser, esquecimento do meu.

Lua da minha vida, olha para mim!

Tu és o meu amparo quando me falta ardor.

Sede um guia a me guiar por entre as nuvens.

Sede aquilo que comporta o tudo.

Sede tudo em meio ao nada.

Sede sempre fervor.


Enche-me de sensações insaciáveis.

Lua de encantos aleatórios e de sensações sutis.

Aplaca o meu desejo vil, minha ira virulenta.

Liberta-me desse covil que me abomina.


Causa de minha cumplicidade.

Pena maior a cumprir.

Sofrimento solitário na dor.

Instantes de angústia na espera.


Caução de causas perdidas.

Cenário de cenas tórridas.

Observadora dos casais.

Amante irresistivelmente amada.

Fragmentos de adeus


Você buscava certezas no meu olhar.
Um porto seguro onde pudesse ancorar
seus receios, medos, neuroses,
mas sou abismo de contradições,
tempestade agitada.

Você esperava pouco de mim.
Seus anseios subestimavam minhas potencialidades.

Sou pássaro azul!

Naquele entardecer,
com doçura na voz, eu te disse:
'Vem voar comigo!'
Sem falar, você respondeu:
'Não.'
Então voei sozinho chorando/sorrindo
até fundir-me no Azul da imensidão.

Agora, do alto te olho
e tenho pena,
compaixão.
Você... tão cinza,
queria condenar-me à sua morte!
Eu não aceitei.

Amar-te-ia por toda vida!
Amar-te-ia por toda a vida!

Meu amor era maior.
Fui maior.
Fui demais para você.


Indignação


Fúria que embriaga-me sozinha,

raiva, sentimento, ira,

angústia, dilema,

fúria, situação e problema.


Preciso externar o meu sentir,

falar o que se cala,

dizer o que não digo,

preciso soltar essas amarras.


Pretendo gritar a dor da alma,

varrer a sujeira,

cuspir no ser amorfo,

pretendo escarnecer o moço.


Saída não há!

Só devo entrar,

Sair para quê?


Devemos nos mover,

saibamos lutar e enfrentar,

sabemos viver,

queremos morrer?

Sob


O sol brilha no céu azul

perante seu esplendor a ave voa indiferente

sobre a árvore florida

que nem liga para o belo vôo da ave

e a flor ensimesmada

não percebe a grandeza da árvore.

E eu

sob

a flor que não liga para a árvore

que não liga para a ave

que não liga para o sol

contemplo tudo e me pergunto.

Entristeço-me.

Os seres indiferentes e esquecidos

vivem felizes como se fossem eternamente lembrados

como se fossem desejados com ardor infinito.

Eu não me resigno.

Mendigo de amor, de retribuição

imploro clemência

imploro um olhar

que aprove a minha frágil existência.


Mas ele não veio...

Grito em oração



Bateu-me uma vontade de gritar eu te amo

Sem pudor, sem medo e nem consciência

Uma vontade maior de expressar o que sinto

Sem amarras, sem vergonha, bem no íntimo


Puro amor

Verdadeiro e único

Inesquecivelmente amor

de estar amando

sem perceber percebendo

o óbvio estampado


EU TE AMO

Sem reservas

Te amo


Amo

Amar-te

meu amor

minha vida

minha estrada pavimentada

meu caminho sem volta

meu labirinto aconchegante

meu amor sem mim

meu início, meio e continuação agora e para a eternidade

Pelos séculos e séculos, sem fim!

Amém.

Regresso


Retornarei à terra do nascimento.
Voltarei ao castelo onde fui gerado.
Reverei os pisos azulados,
as paredes humildes, mas altaneiras.
Visitarei os bosques floridos,
as relvas esverdeadas daquele olhar.

Retornarei ao tempo perdido
e ouvirei a música que não parou de soar em meu peito,
embora há tanto tempo não a escute.
Cantarei, dançarei, alegre, bobo, feliz
por novamente sentir a brisa acariciar meus olhos dispersos.

Retornarei ao reino do adeus
e lá serei coroado por não ter sido rei.
Reencontararei as aves multicolores
que enfeitavam o céu azul intenso.
Relembrarei do azul do céu, sim, relembrarei.

Retornarei ao Azul infinito
e lá serei Infinito por ser azul.
Voltarei às nuvens brancas e chorarei nos riachos doces.
Sim! serei doce, enfim serei.
Mesmo depois de encontrar-me com o mar.

Negação


Não sou poetisa

Atrevo-me a poetizar

Sou audaciosa, atrevida

Sou uma flor a desabrochar


Meu maior prazer é brincar do que não sou

Escrever é meu ponto de fuga

Minha lucidez alucinada

Sou uma história inacabada


Risco no papel gotas de acaso

vivo neste céu anacromático

Sou uma farsa em ode pueril

de imaginação fértil e viril


Falo sobre o tudo e sobre o nada

Do lado obscuro das palavras

Da imensidão do tempo

Do poder da rima

Da trivialidade da vida


Quero suspirar aliviada

quando o fim da estrofe sucumbir em versos

os meus desejos mais profundos

E falar em grito ao mundo

Tudo que meu coração cogita a permanecer imune.

O poema que morre em mim


O poema que morre em mim

Deixa-me triste e cabisbaixo

Mais dentro que por fora

Olho tudo e vejo falta

A obviedade das coisas me fadiga

O grito contido me assola

E quando a dor é grande demais

Começo liricamente a divagar

a elaborar teorias mirabolantes

Que o cientista mais rígido pode repudiar

- O que me importa

se o devaneio tornou-se meu refúgio?-

Penso na décima sétima dimensão

No paraíso além do abismo

Penso que lá existe eu mesmo

Apenas mais translúcido e poetizado

Que estou a semear os poemas que matei

E quando tudo vira flor

Presenteio-me com o mais belo girassol

E sorrio amarelo em meio às plêiades e nebulosas

Que enfeitam meu jardim.


A cabeça voa longe demais

Mas meu peito sangra.


O poema que morre em mim

Faz-me como um louco divagar

E ao mesmo tempo me poetiza e prepara

Para o encontro com uma amiga

Que a vida me impediu de admirar.

O poema que morre em mim

É silencioso prelúdio de minha decomposição/ressurreição.


Quando eu pensava em você



Pensei em você como uma última esperança

Como um fim de um começo

Eu pensei em você até quando não pensava em pensar

Pensei

Ontem,

Hoje,

Agora,

Minutos atrás,

Segundos,

Instantes,

Pensei...

E ao pensar, me perdi

pensando haver me encontrado.