Transição



Meu abrigo mais reluzente é o da juventude.

Meu pueril momento de fragmentação.

Minha ideal realeza e satisfação.


Meu primeiro mictório foi o chão.

Meu brinquedo favorito, só sensação.

Minha história é feita de imaginação.


Meu coração pulsa e pula em magnitude.

Meu corpo é só conversão.

Minha voz fala por gravação.


Meu umbigo foi cortado no momento da criação.

Meu sentimento mais sublime se rende à ficção.

Minha alma comporta toda e qualquer emoção.


Meu momento de crescimento se deu na mocidade.

Meu carrinho de mão foi feito com coração.

Minha infância eu passei na contramão.


Meu temperamento incontido precisa de maturação.

Meu orgulho de nada serve na oblação.

Minha louca vida é santificação.


Meu estado atual é inconstante.

Meu desejo se compactua em consideração.

Minha vida se resume em transfiguração.


Meu pensamento é pura realidade de vida.


Ela e os Tomates


Ela acordou, ou melhor, foi acordada com o som irritante do despertador e sofreu mais uma vez na cama quente o grande dilema matinal. Jogar contra a parede o motivo do seu despertar e continuar a dormir ou se levantar e desligá-lo.
Como sempre, ela se levantou e desligou o despertador.
Banho.
Escovou os dentes e como o espelho estava embaçado nao contemplou seu rosto. Penteou o cabelo como pode e saiu, como sempre, atrasada.
Enfrentou o trânsito infernal.
Estacionou o carro.
E, antes de entrar no escritório, tropeçou num cesto de lixo e eis que seus olhos contemplaram alguns tomates que apodreciam.
Olhou a sua roupa e os sapatos. Estavam limpos. Voltou o olhar para os tomates. Continuavam a apodrecer e a expelir um cheiro insuportável. Tinha algo escuro que navegava sobre o líquido asqueroso.
Sem jeito para recolher os tomates, ela os deixou ali e foi trabalhar.
Trabalhou mecanicamente, como sempre. Desejou mais uma vez o seu chefe, apesar de ele ser vulgar e de se vestir horrivelmente.
Algo a incomodava, mas ela não sabia o que.
Trabalhou até às 17 e depois voltou à casa no mesmo trânsito infernal.
Chegou.
Banho.
Comeu alguma coisa diante da novela das oito. Amou e o odiou a tonta da mocinha.
Escovou os dentes e mais uma vez recusou o confronto com o espelho.
Colocou o relógio para despertar para o dia seguinte.
Apagou as luzes.
Cama.
No meio do breu ela descobriu o que a incomodava e subitamente começou a soluçar e a balbuciar repetidamente na cama ainda fria.

Eu não quero apodrecer...



(Narciso)

A ti



Te escuto em meus sonhos.
Eu te escuto em cada som ouvido.
Te ouço no badalar dos sinos.
Na melodia cantada em ritmo uníssono.

Ah...como eu te escuto.
Escuto-te calada, parada, estagnada.
Eu te ouço sempre.

Tua voz embala os meus dias.
Nela encontro a suavidade do soído.
A melodia da fala.
A harmonia da palavra.
A candura do acorde.

Escutar-te, basta-me
Ouvir-te, acalma-me

Por isso, o teu encanto me encanta
enquanto canto a ti
meu ritmo mais belo e encantador.

Tu és minha melodia.
Minha perfeita harmonia.
O meu ritmo preferido.



Astréia